terça-feira, 7 de outubro de 2025

A DERRUBADA

Reboa o machado, 
No seio umbroso da floresta, 
Num assíduo fragor monótono, vibrado 
Pela força brutal do homem rústico e bronco; 
E, pancada a pancada, a lâmina funesta 
Golpeia o rijo tronco 
De uma árvore copada. 
 
É a derrubada! 

A árvore, de alto a baixo, estremece e farfalha 
A cimeira pletórica, por onde 
Ascende a seiva e a circular, de fronde em fronde, 
Pela folhagem víride se espalha, 
Como se a cada golpe, a cada corte, 
Em contorções, em ríspido arrepio, 
Sentisse o calafrio 
Invencível da morte. 

A árvore treme a cada 
Violenta cutilada 
Que, ferindo-a, desfere a derrubada. 

Abandonam-lhe os ramos seculares, 
Festonados de frutos e de flores, 
- Verde Arcádia dos pássaros cantores, 
As aves e os insetos, 
Que, assustados e inquietos, 
Em debandada, fogem pelos ares. 

E como é triste ver a árvore abandonada 
Seguindo a tribo fugitiva e alada, 
Espavorida pela derrubada! 

Aos rudes golpes, aos fundos talhos 
Que lhe abre, em lascas, no duro lenho, 
Ferindo largo, cortando cerce, 
Decepando as hastes, mutilando os galhos, 
O aço rompendo as fibras e os tecidos 
A esse herói vegetal, cheio de cicatrizes, 
Arranca-lhe a cortiça um rangido rouquenho 
- Um gemido maior que os humanos gemidos... 
E a árvore estala, verga, as ramadas derreia 
E, aluída no sólido alicerce 
Das profundas raízes, 
Baqueia... 

Tomba cortada, 
Desarvorada 
Aos embates da derrubada. 

Morre... 
E o homem que, sem piedade, a desmorona, 
Certo não vê no caule o sangue que lhe escorre 
Em resina aromal sobre a nodosa tona 
Da planta maternal, que produzira, outrora, 
Flores para adornar a cabeça de Flora 
E frutos para encher o colo de Pomona. 
O machado reboa... E pancada a pancada, 
Prossegue, mata a dentro, a derrubada. 

Nos ímpetos selvagens 
Da sua faina bárbara e nefasta, 
O destruidor devasta 
Os arbustos do campo, os altos arvoredos, 
Extinguindo com o exício das folhagens 
Os aspectos, encantos e segredos 
Do doce bucolismo das paisagens. 
E eis em pouco, amontoada, 
A selva sobre o chão, na derrubada. 

Rasgam-se clareiras 
Na cerrada espessura 
Da mata, agora exposta aos inclementes 
Rigores das soalheiras, 
Enquanto sob a verdura 
Enganosa da alfombra, 
Os mananciais circunjacentes 
Vão se esgotando, à míngua da frescura 
Benéfica da sombra... 
E vão secando fontes e correntes... 
Vão-se exaurindo os veios transparentes 
Da água límpida e pura. 

Quem sabe a linfa tímida, assustada, 
Se esconde da derrubada! 
Sucumbe a flora, de desconforto, 
E a fauna foge, espavorida, 
Ante o infortúnio, ante a tristeza, 
Ante a desolação da floresta abatida, 
Horto 
Onde as ninfas em pranto, onde faunos em prece 
E lastimosas dríades parece 
Dizerem para os céus, num grande apelo à Vida, 
Pela unânime vos da Natureza: 
- “Pã, nosso deus, é morto!” 

E a mater Natureza, amargurada, 
Dos espaços chora sobre a derrubada... 
Cai a chuva fecundante... 
E a terra adusta, calcinada, 
Torna-se, por encanto, verdejante: 
Os troncos brotam, reverdecem; tudo 
Germina em festões verdes de esperança, 
Como para mostrar ao homem bárbaro e rudo, 
Em cada broto, em cada folha, em cada frança, 
Que, como Deus, ressurge a floresta sagrada! 

É o protesto da Vida renovada 
Contra a derrubada! 

 D. Francisco de Aquino Correia

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